Atividade solicitada pela Professora Formadora durante a semana de formação do GESTAR II:
Memorial
Eu... Leiscritora
Sou filha de uma família de oito irmãos, sendo: quatro mais velhos e três mais novas; o que infere o meu contato com a leitura e escrita como o fruto de um círculo alfabetizador, muito comum, ou seja, os maiores ensinam os menores antes do primeiro ano de escola. Não cursávamos Educação Infantil, portanto aprendíamos muitas coisas em casa, com os irmãos que já estudavam. Meus pais valorizavam muito o estudo, apesar de ambos não terem estudado muito.
Lembro-me que nos primeiros dias de aula nada pra mim era novidade. Contudo, certo dia a professora escreveu uma sílaba no quadro e perguntou do que se tratava. Silêncio total. Ela então se dirigiu a mim, que até então, tudo sabia e eu – muito frustrada – admiti pela primeira vez não saber. Então um colega muito timidamente criou coragem e disse que era o ÃO. Aquele “som” era estranho aos meus ouvidos; todavia, com a confirmação da professora percebi que nem tudo eu tinha aprendido. Recordo que fiquei um pouco chateada pelo fato de meus irmãos não terem me ensinado esse pormenor da escrita e aos sete anos descobri muito mais naquela aula que a professora pudesse imaginar: que eu não sabia tudo!
Quando aprendi a ler, lia o que me passava aos olhos. Descobri o mundo mágico da leitura e me apaixonei pelos livros desde criança. O primeiro livro que li não tenho lembrança; mas o que marcou minha infância com certeza foi “Zezinho e sua porquinha preta” da Série Vaga-lume. Era do meu irmão e eu li umas três vezes. Acredito que o meu encanto pelo livro se deva ao amor do menino pela porquinha e suas artimanhas pra salvar sua amiga. Eu tinha uma cachorra de estimação e minha história era parecida com a dele. A minha, porém, mais triste porque meu pai matou minha cachorra, por ela ser muito levada.
Amava ler e escrever. Aos nove anos comecei escrever poemas, bobos, mas com rimas e caráter narrativo. Desde então passei a ser “a poeta” da sala de aula durante todo o Ensino Fundamental - qualquer acontecimento ou evento era motivo pra escrever um poema em cordel.
O fato de ser uma degustadora de livros auxiliou meu crescimento, como produtora de textos. Quando fazia a antiga terceira série, a professora ficou muito surpresa com uma história que escrevi. Ela disse pra turma que eu não tinha feito uma Composição, tinha escrito UM TEXTO de três páginas. Bem, não sei qual a concepção de texto que ela tinha naquela época, todavia fiquei extasiada com sua euforia, porque texto pra mim era só aqueles dos livros... e acho que pra ela também...
A biblioteca da minha escola era um lugar de diversão, mas nem sempre a visitávamos. Só podia em horário de aula e durava uns vinte ou trinta minutos. Não gostava muito desses momentos de leitura porque sempre vinham acompanhados de uma atividade. Hoje, tento não cometer os mesmos erros com meus alunos.
Na minha adolescência li muitos Romances do estilo “Júlia, Sabrina”. Eles me faziam sair da minha triste realidade e sonhar... Aprendi muito com eles também - ao contrário do que alguns professores da Faculdade defendem - visto que ampliei meu vocabulário, usando sempre o dicionário quando me deparava com uma palavra desconhecida, sem nenhuma chance de inferência na época, como: sarcástico, hesitar, sagaz, etc.
No ano de 1995 minha vida escolar teve uma ruptura: meus pais tiraram da escola as quatro filhas mais novas e fomos morar em um sítio de outra cidade. Em plena adolescência não concluí o último ano do Ensino Fundamental e me afastei do que eu mais gostava de fazer: estudar. Nem namorado eu tinha, para não atrapalhar meus estudos. Fiquei dois anos sem estudar, lendo tudo que podia. Li a Bíblia inteira três vezes porque não tinha livros e por gostar também. Fortalecia minha fé e me aproximava de Deus. Na época fui afastada das coisas que mais me dava prazer: a escola e a religião. Ambas eram fontes de aprendizado, uma “ponte” com os livros... E eu só me sinto viva se estiver aprendendo.
Retornei à cadeira escolar em 1997 e concluí o Ensino Fundamental. Não tinha muita graça as aulas de Língua Portuguesa, recheada de gramática normativa por todos os lados. No entanto, algo marcou uma dessas aulas. A professora, amava meus poemas e disse que queria me ver na Academia Brasileira de Letras. Criei coragem e perguntei do que se tratava. Ela explicou, mas precisei recorrer ao dicionário pra entender melhor. Foi muito útil porque alguns anos depois, recebi a mesma declaração do Ministrante de um Curso de Formação Continuada para Professores. Fiquei feliz com o elogio por se tratar de um homem formado em Letras e muito respeitado. Eu era apenas uma professora iniciante cheia de sonhos...
Fiz dois cursos de Ensino Médio: o primeiro foi o Telecurso 2000 e o segundo o Magistério, também à distância através de um Programa chamado PROFORMAÇÃO – Programa de formação de professores em Exercício. Ambos foram de suma importância para minha formação como leitora. O Currículo de Língua Portuguesa era inovador, sem priorizar o ensino da gramática fragmentada. Compreendi o verdadeiro significado de texto e decidi fazer Faculdade de Letras.
A professora que marcou esse período só podia ser de Língua Portuguesa. Ela substituiu a titular e terminou o Curso. Era tranqüila, conseguia passar segurança e não gritava. Apesar de morar em outro município nunca faltava ao trabalho, ao contrário de outros colegas. Durante o Ensino médio, o conteúdo que aprendi e contribuiu muito para minha formação profissional foi no Magistério: compreendi a Variação Linguística e me apaixonei pelo ensino de Linguagem. Um poema que conheci e gostei muito foi “Instantes” do escritor Jorge L. de Borges. Até hoje é um dos meus preferidos.
Chegar na Faculdade de Letras foi o resultado de muita dedicação. Devido à condição financeira familiar não sonhava com o Ensino Universitário; mas quando as portas se abriram para quem era professor eu saboreei a oportunidade, apesar da mudança no estado civil. Engoli livros e mais livros. E o mais surpreendente foi descobrir que quase tudo que eu tinha aprendido anteriormente, principalmente nos conceitos gramaticais, estavam desatualizados. Tudo podia ser questionado foi a primeira lição que aprendi e passei a aperfeiçoar meu senso crítico. Isso culminou em divórcio.
Os professores tinham uma postura totalmente diferente com a turma. Ouvíamos sempre aquela frase “vocês não estão mais no Ensino Médio, são universitários”... Na realidade estavam nos cobrando uma postura mais audaciosa. Éramos muito pacatos e mal acostumados com a “Escola de Respostas” e não conhecia a “Escola de Perguntas”.A leitura que mais marcou nesse período sem dúvida foi “Procura da Poesia” (Drummond). Descobri em uma disciplina de Teoria Literária que eu não fazia poesia, fazia poemas simplórios que não exigiam nenhum transpirar ou conhecimento literário. Analisei essa poesia e tirei Dez; contudo fiquei mortificada por dentro com a descoberta que fiz. Eu não era poeta. Era uma escritora de versos costurados por rimas, compondo estrofes de conteúdos narrativos ou argumentativos e sempre com sentido referencial.
Foi uma época sofrida, porém muito produtiva. Aprendi muito! E fiquei feliz quando cursei a última disciplina e redescobri minha capacidade de brincar com as palavras e construir alguns poemas dignos de elogio do professor mais crítico e complexo da Universidade. Ele leu e me incentivou a continuar escrevendo. Foi o professor que mais marcou minha vida, pelo seu grau de exigência, pelo seu jeito excêntrico, audacioso e anormal de ser. Confesso que me espelhei nele...
Atualmente, sou uma leitora e escritora que percorreu por muitos livros. Tenho vários poemas escritos, além de paródias, músicas e cinco romances. Nenhum publicado. Deixei o desejo de aumentar os leitores adormecer. Leio porque gosto e escrevo porque é uma forma de me esvaziar, compartilhar o saber, dialogar e nem sempre temos ouvidos à disposição pra isso. Escrevo enquanto estudo, anoto as atividades do dia, rabisco pensamentos no guardanapo do barzinho, registro meu trabalho, desabafo minhas angústias e leio tudo que me interessa: da necessidade ao lazer.
Sou apaixonada pela riqueza e poder das palavras. Pelas possibilidades de construções de textos inimagináveis. Grande parte do meu conhecimento construído foi através da leitura, sem auxílio ou intervenção no diálogo entre eu e o autor. Muitos professores hoje ainda desconhecem esse poder da leitura, oportunizando pouco tempo para ela, considerando sem aproveitamento. Sonho com o dia que professores e alunos troquem seu livros, recomendem, comentem e aprendam que leitura e escrita são armas para enfrentar o mundo; que o maior parceiro terrestre de um homem é o livro, ou Deus não teria deixado um para nossa orientação.